“Se você tem + 60 anos, posso ir ao mercado p/ vc, sem problemas ou custo. Só me avisar antes p/ eu me programar. Ass. Fernanda, Apt 631.” O recado curto, com as abreviações conhecidas das redes sociais, foi escrito à mão, em letras grandes, em folhas de caderno.
Foi uma estratégia. Fernanda Salvadé sabia que, se recorresse ao computador para digitar um bilhete comum, seu recado seria apenas mais uma mensagem entre cartas e recados de condomínios que ninguém lê. As letras redondas também tinham o propósito de facilitar a leitura para quem tivesse dificuldades para enxergar. Na tarde do último domingo, ela colou as folhas nos elevadores e na entrada do prédio onde mora, na Asa Norte, região central de Brasília.
“Resolvi fazer algo. Moro em um prédio que tem muitos idosos. Como os apartamentos são de um dormitório, muitos deles vivem sozinhos. Então, decidi que tinha que fazer alguma coisa”, diz Salvadé.
Os idosos registram a taxa mais alta de mortalidade causada pelo novo coronavírus. O drama se acentua entre aqueles que já têm problemas de saúde. Dos casos confirmados na China até agora, 15 de cada 100 pacientes com mais de 80 anos não resistiram e morreram. Na faixa daqueles com menos de 50 anos, a letalidade fica em torno de 1% ou menos.
Os cuidados com os mais velhos são os mesmos para os demais:
- Lavar as mãos frequentemente com sabão e água ou usar álcool em gel;
- Evitar apertos de mão;
- Limpar objetos que são tocados com frequência;
- Evitar o transporte público e ficar longe de reuniões de pessoas.
A convivência com mais jovens, como filhos e netos, também fica muito restrita, porque estes, que tem maior imunidade, podem transmitir o vírus aos idosos. Há também vários registros de casos assintomáticos de crianças e adolescentes.
“A gente não pode ficar só à mercê de uma atuação pública. Tem de pensar em algo que vá além de sua condição pessoal, e no dia a dia. Ver o outro e o que pode fazer para ajudar, algo em prol da coletividade”, diz Fernanda Salvadé, de 36 anos, servidora pública em Brasília.
Além de afixar recados com seu endereço e telefone, ela enviou a mensagem para o grupo de WhatsApp dos moradores de seu prédio. Como é comum em edifício de qualquer cidade, Fernanda não conhece a maior parte das pessoas que moram ali, mas as redes sociais e os encontros constantes da portaria já tinham dado uma ideia do perfil dos vizinhos.
Iniciativas como a de Fernanda Salvadé têm se espalhado por todo o País e inspirado mais pessoas a buscarem formas de apoiar quem precise. Em outro edifício, os moradores Alex e Tiago, do “apartamento 1401”, também afixaram um recado no elevador de onde vivem para oferecer ajuda aos moradores idosos, “tendo em conta a situação complicada que estamos vivendo”. E lembraram que “ninguém é uma ilha”.
Fernanda Salvadé conta que não conhece muitos de seus vizinhos, mas que “pelas fotinhas do perfil deles no grupo do condomínio”, viu que muitos são idosos. “Então, percebi que esse gesto realmente podia ajudar alguém”, diz. Já está ajudando. Ela recebeu mensagens de agradecimento e alguns moradores já disseram que devem pedir ajuda para compras em supermercados e farmácias. Fernanda Salvadé estará ali, para ajudar.
Em São Paulo, instrutora cria modelo de cartaz de ajuda
A instrutora de mindfullness Natasha Bontempi, de 38 anos, decidiu transformar o medo do coronavírus em ação. Foi ela quem criou modelos de cartazes para serem impressos e colocados em áreas públicas dos condomínios, com os nomes de moradores que se disponibilizam para fazer compras aos vizinhos de grupo de risco.
Os layouts podem ser baixados e impressos por qualquer um e foram divulgados em uma página na internet de moradores da Vila Buarque, na região central de São Paulo – o bairro concentra grande número de universitários idosos.
“Tenho refletido muito em como posso ser útil sem entrar no pânico”, diz Natasha. Ela conta que tem pais, idosos, que têm assistência, mas reconhece que outros moradores de mais idade da região vivem sozinhos. “Vejo gente brigando por papel higiênico, discutindo em grupos na internet. Decidi que não vou entrar nessa neurose e fazer algo positivo.”
Fonte: O Tempo